quarta-feira, 22 de outubro de 2008

O desafio de evitar um colapso

Extraído do site da Revista Pedras do Brasil

Os setores financeiros mundiais estão em dificuldades, porque muitos investiram demais no mercado de hipotecas. Quando a bolha imobiliária norte-americana estourou, os bancos ficaram sem saber quais dos seus empréstimos seriam repagos e quais sofreriam calote. O que começou como um pequeno problema, agora tomou conta de todo o mundo.

Por Karina Porto Firme

O colapso da bolha imobiliária atingiu primeiro o setor ornamental brasileiro, que viu suas exportações diminuírem, consideravelmente, com a valorização do Real. Agora, com a eclosão da crise norte-americana mundo a fora, o problema passa a ser de demanda.

Em outubro de 2006, a Revista Pedras do Brasil divulgou a matéria “Bolha americana deixa mercado em alerta” e mostrou que, frente ao possível estouro da bolha imobiliária, o setor de pedras, ainda, investia no mercado externo e amargava uma inadimplência de US$ 10 milhões. A intenção era fazer com que os exportadores do setor passassem a olhar, com mais atenção, para o mercado interno.

A bolha americana estourou e tem jorrado suas perdas aos outros países da nação. No Brasil, os primeiros impactos estão sendo sentidos, principalmente, no mercado financeiro. Ações em baixa, crédito em falta, juros altos e, principalmente, um clima de incertezas. Na visão do economista Orlando Caliman, as conseqüências não se restringirão, apenas, ao campo financeiro. Em uma entrevista, exclusiva, para a Revista Pedras do Brasil, o analista aponta que as expectativas trabalham na direção de queda do ritmo de crescimento da economia, com impacto, principalmente, em 2009.

O lado bom desse cenário, segundo Caliman, é que, felizmente, o Brasil está preparado para o momento, pois dispõe de reservas, tem um mercado interno forte e tem bom relacionamento comercial com os países emergentes. Em contrapartida, as exportações para o mercado norte-americano, devem sofrer restrições. Confira a entrevista concedida no dia 10 de outubro. Em virtude desse atual quadro de incertezas, mais do que imprescindível frisar a data, pois a irracionalidade dos mercados tem prevalecido na economia mundial.

Revista Pedras – Como os Estados Unidos chegaram a esta crise?

Orlando Caliman – Diferentemente da crise de 1929, cuja origem esteve relacionada a um forte desequilíbrio entre a oferta e a demanda agregadas – com excesso de ofertas –, a crise atual tem fundamentos num comportamento decorrente de exposição a riscos de crédito sem precedentes na história. Ambas, como qualquer crise, se expressam, mais fortemente, no mercado financeiro. Em 1929 a queda forte dos lucros das empresas desencadeou uma forte corrida de venda de ações, que na seqüência atingiram, também, os bancos. Lá, portanto, a economia real deu o primeiro sinal. A crise atual tem fundamentos no abalo nas relações de crédito da economia norte-americana. Financiou-se sem as devidas garantias – créditos de alto risco, os chamados sub-primes –, e, além disso, tais créditos acabaram servindo de alavancagem para derivativos que se multiplicaram pelo mundo. Como a origem era potencialmente "podre", por não serem honradas, desencadearam uma onda de temor de inadimplências nos elos subseqüentes da cadeia. Bancos portadores de títulos, cujas origens estavam ligadas ao mercado de hipotecas imobiliárias por exemplo, passaram a ter dificuldades de acesso ao crédito. Na verdade, os Estados Unidos chegaram a essa crise por total falta de controle e de limites nas operações financeiras. Enquanto no Brasil a alavancagem nas operações financeiras dos bancos chega, em média, a 11 vezes – nos Estados Unidos atinge até 30 vezes. Trata-se de uma exposição a riscos, sem igual. Em resumo, construiu-se um verdadeiro "estado de desconfiança" em escala global.

RP – Além dos Estados Unidos, a Europa também foi afetada. Em que proporções?

OC – A Europa foi atingida através de três canais: o canal da "bolha imobiliária" norte-americana, o canal do crédito e o canal da economia real. Vários bancos da Europa tinham, nas suas carteiras, títulos derivativos dos créditos hipotecários dos Estados Unidos. Esses tiveram que correr para cobrir os seus prejuízos. E isso é feito, em situações normais, através de operações interbancárias. O problema é que, também, entre os bancos estendeu-se o temor de inadimplências inter bancos. Daí decorre a necessidade dos bancos centrais europeus injetarem dinheiro no sistema. Na verdade, o crédito foi, totalmente, travado. O terceiro canal é o relativo à economia real. Nesse caso, o sinal dado pela economia norte-americana é de que a economia não mais irá crescer. E isso significa queda na produção, desemprego em perspectiva etc. Fora dos Estados Unidos, a Europa foi à região mais atingida.

RP – Qual será o impacto dessa crise nos países emergente?

OC – O peso das economias emergentes na economia global tem crescido rapidamente nos últimos anos. Muito provavelmente nos próximos dez anos o conjunto das economias desses países ultrapassará o tamanho do conjunto das economias dos países dês envolvidos. Esses países serão menos impactados. China, Índia, Brasil, Coréia, Rússia e outros crescerão menos em 2009, mas não serão atingidos tão fortemente como a Europa e os Estados Unidos. O primeiro impacto virá a partir das restrições de crédito – mais escasso e mais caro –, depois pela redução do comércio com os países desenvolvidos, por força da queda da demanda.

RP – Para o Brasil, diretamente, quais serão as conseqüências?

OC – No Brasil, os primeiros impactos estão sendo sentidos, principalmente, no mercado financeiro. Ações em baixa, crédito em falta, juros altos etc. Mas, principalmente, um clima de incertezas. Naturalmente, as conseqüências não se restringirão, apenas, ao campo financeiro. As expectativas trabalham na direção de queda do ritmo de crescimento da economia, com impacto, principalmente, em 2009. Felizmente, o Brasil está preparado para o momento. Dispõe de reservas, tem um mercado interno forte, tem bom relacionamento comercial com os países emergentes. Exportações para o mercado norte-americano, por exemplo, sofrerão mais restrições.

RP – O pacote norte-americano é a solução?

OC – Ele é parte da solução, não o seu todo. A solução também não mais depende, exclusivamente, da economia norte-americana. A crise é global e exige, também, soluções globais. Todavia, a sinalização para o retorno da confiança deverá, necessariamente, sair dos Estados Unidos. É bom lembrar que nenhuma outra economia no mundo tem melhor condição de sair dessa crise do que os Estados Unidos. Não é sem razão que todos estão correndo para o dólar e títulos do tesouro norte-americano, como forma de escapar de perdas. O dólar é uma das poucas moedas que está se valorizando. Parece paradoxal, mas é verdade. O mundo acredita que os Estados Unidos têm condições de dar a volta por cima, mais que qualquer outro país.

RP – Qual o preço que os Estados Unidos pagarão para superar este momento tão delicado?

OC – É difícil mensurar o custo total dessa "insanidade" geral, que acometeu os Estados Unidos. Os números expostos ao público dizem respeito, principalmente, aos recursos que o governo está disponibilizando para salvar instituições financeiras. No total, talvez isso chegue a mais de dois trilhões de dólares até o final da crise. No entanto, o que, ainda, não alcançamos são os estragos nas finanças das empresas e das pessoas. Estimativas preliminares dão conta de que cerca de 7 trilhões de dólares evaporaram no mercado acionário.

RP – Qual o principal desafio para o próximo presidente norte-americano e em que estado ele assumirá o país?

OC – O principal desafio será, sem dúvida, o de construir um novo "estado de confiança". O governo norte-americano tem que, primeiramente, estancar o processo de irracionalidade do sistema econômico e reconstruir os seus fundamentos e referenciais. O lado psicológico, agora, conta mais do que outra coisa. E ele tem que ser trabalhado no coletivo. Como não existe a situação do "eu seguro" – segurança individual –, a grande tarefa do Estado – governo norte-americano – é construir essa segurança.

RP – Há como remediar esses acontecimentos?

OC – A situação está a tal ponto que a única saída é remediar ou remediar. E digo mais, nem se trata de remediar, mas sim reconstruir um estado de confiança, desconstruindo a onda de desconfiança atual.

RP – O presidente Lula segue firme em seu caminho afirmando que a crise não afetará o Brasil, mas caso afete, quais suas proporções?

OC – Eu acho que a ficha agora caiu. Também Lula e Governo estão admitindo a crise e seus prováveis impactos na economia brasileira. Talvez não tenham ou não queiram externar a dimensão desses impactos. Podemos ficar mais tranqüilos que a maioria dos demais países do mundo, porém, não totalmente. Muito provavelmente, não teremos o tanto de novos empregos que estávamos esperando. As nossas vidas já estão sendo afetadas. Não devemos, isto sim, nos apavorar. A situação não é de parar de comprar ou de produzir. Se, simplesmente, deixarmos de comprar, num movimento coletivo, aí estaremos criando as condições para que a crise se aprofunde.

RP – Especialistas dizem que o Brasil irá sentir a crise em 2009. O senhor acredita nisso?

OC – O Brasil esperava crescer a 4,5% em 2009, antes da crise. No momento as expectativas indicam que chegaremos a 3,5%. Trata-se de uma ótima taxa, no contexto das demais economias do mundo. Alguns especialistas apontam para 3%. De qualquer forma vamos crescer no próximo ano. E 3% diante da história dos últimos 15 anos de economia brasileira já é bom. Naturalmente, alguns setores sentirão mais que outros.

RP – Qual a importância deste momento para a história da economia mundial?

OC – Eu acredito na lição e no aprendizado para uma economia globalizada. Toda crise tem o seu lado negativo, mas também tem o seu lado positivo. A parte positiva da crise é que ela funciona como depurativo de excessos. São nesses momentos que surge a força da "destruição criativa", numa referência ao grande economista Schumpeter. Assim como a criatividade e inovações nos mercados financeiros geraram as condições para crise atual, também sairá da criatividade a sua solução.

RP – Existe alguma forma de amenizar os impactos do sobe e desce das ações?

OC – É bom deixar claro que hoje – 10 de outubro –, o que está prevalecendo no mercado é a irracionalidade. Como não existem parâmetros e referências para as decisões, prevalece o caos. Os movimentos de "manada" são mais comuns. O sobe e desce, somente, será contido quando um mínimo de confiança voltar aos mercados. Enquanto prevalecer a desconfiança, não podemos esperar nada de racional. Algumas medidas isoladas poderão sinalizar para momentos de trégua. É o caso, por exemplo, do pacote norte-americano. Como o problema é global, a forma de amenizá-la ou solucioná-la deverá vir através de ações articuladas e operadas em escala global.

RP – O setor ornamental está passando por um momento muito especial devido à redução no consumo externo. O senhor acredita que a crise norte-americana deve afetar, ainda mais, o setor?

OC – Na verdade esse setor já vinha sofrendo com a valorização do Real. Agora o problema é, ainda, maior pois passa a ser de demanda. Sem dúvida a economia norte-americana, que já está em recessão, continuará nessa mesma toada e com maior intensidade no próximo ano. Como a crise norte-americana está assentada, sobretudo no mercado imobiliário, o setor de construção será o mais afetado. Por conseqüência, a demanda por produtos construtivos será mais atingida.

RP – Para os que estão exportando, apesar da crise, quais devem ser os cuidados?

OC – Em plena crise o cuidado maior talvez seja aquele relativo aos potenciais calotes. Certamente empresas importadoras norte-americanas estarão mais propensas a crises de liquidez. Já, nos seus negócios, as empresas deverão "apertar os cintos", refazendo os seus planejamentos e fazendo os seus ajustes. Não é fácil, mas é o que sobra de alternativa. As empresas precisam, também, se ajustar às novas margens impostas pelo mercado ou mesmo redirecionarem as suas vendas – mercados – e portfólio de produtos.

RP – No início de outubro, o presidente Lula defendeu a internaciolização das empresas brasileiras. Qual sua opinião sobre esta ação?

OC – A internacionalização é inevitável e as empresas devem buscá-la. Mesmo nas crises é possível, além das lições, extrair oportunidades. Como o Brasil está mais preparado do que boa parte dos demais países e essa percepção é extensiva, também, para as empresas, talvez esse seja um momento interessante, onde a criatividade brasileira possa ser mais acionada. É bom ter em mente que a demanda por alimentos continuará crescendo, como também para produtos na área de energia.

RP – Há outras oportunidades que podem ser aproveitadas pelo Brasil a curto prazo?

OC – As oportunidades estarão concentradas, principalmente, nos setores de alimentos e energia – energias alternativas, por exemplo. Mas, acredito que as maiores oportunidades surgirão na saída da crise. O Brasil tem robustez para chegar lá mais preparado do que outros países. Nesse caso, podemos ganhar espaços no campo das commodities metálicas – aço, minério e derivados –, petróleo e derivados, florestal e celulose. Poderá avançar, também, nos setores moveleiro, rochas ornamentais, automobilística e alimentos em geral. Em síntese, 2009 poderá ser um ano de ajuste e preparação para a retomada da economia mundial em 2010. Mas, para isso, temos que fazer alguns deveres de casa, principalmente o governo com políticas bem formuladas e direcionadas para a qualificação do parque produtivo nacional. E, nesse aspecto, o Espírito Santo já sairá na frente, pelo que já fez de investimentos e ainda fará. O Espírito Santo não somente está preparado para a crise, como sairá, ainda, mais forte dela, lá na frente.

Orlando Caliman é professor aposentado do Departamento de Economia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e Diretor Técnico da Futura.

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