Em março de 2015, o dólar rompeu, pela primeira vez nos últimos 10 anos, a barreira dos R$ 3,00; no início de setembro atingiu R$ 3,81, após o Governo enviar ao Congresso Nacional proposta para o Orçamento de 2016 prevendo inédito déficit primário; e no final do mês superou a marca dos R$ 4,00, em consequência da preocupação do mercado com votações no Congresso e com a possibilidade da elevação dos juros norte-americanos.
Essa valorização no câmbio causa enorme impacto no mercado, uma vez que afeta o preço de produtos importados, os contratos firmados na moeda americana e as viagens internacionais, além de pressionar a inflação. E o Espírito Santo possui 52% de sua economia voltada para o exterior, o que torna diferenciado o impacto da volatilidade do dólar nas atividades locais. “É difícil uma empresa de sucesso que não esteja ligada a uma cadeia de fornecimento global. A alta volatilidade do câmbio não é boa para o exportador nem para o importador, pois cria muitas incertezas e dificulta o processo de tomada de decisões do administrador ou gerente”, destaca o presidente do Sindicato do Comércio de Importação e Exportação do Espírito Santo (Sindiex), Marcilio Rodrigues Machado.
O Brasil e o Espírito Santo são exportadores de commodities ou matérias-primas, e algumas delas tiveram uma grande queda de preço no mercado internacional. Na avaliação do presidente do Sindiex, em determinados casos, a disparada do dólar talvez não consiga compensar a baixa dos preços. “Além disso, o grande comprador de commodities é o mercado chinês, cuja economia se encontra num processo de desaceleração no crescimento e deverá demandar um volume menor de produtos brasileiros”, detalha.
O dirigente explica que alguns setores de produtos manufaturados, principalmente aqueles que vendem para os Estados Unidos, podem se beneficiar da alta da divisa norte-americana.“E isso poderá servir para compensar muitos custos, decorrentes da elevada carga tributária e trabalhista, da burocracia governamental dos EUA e da ineficiência logística”, alega. O encolhimento nas importações capixabas nos primeiros sete meses do ano foi de 23%, em consequência de dois fatores: os problemas de infraestrutura portuária, pois cerca de 90% do comércio internacional é realizado por meio desse modal; e a retração da atividade econômica no país.
A falta de condições ideais de infraestrutura – tais como problemas de atração de navios ou ausência de linhas regulares para os nossos portos – continua sendo um forte obstáculo. “Essas falhas estão fazendo com que muitos empresários efetuem seus negócios através de portos em outros estados. No primeiro semestre, perdemos uma média de 15% do movimento de importação para outros portos. E do lado das importações o problema é semelhante, fica cada vez mais difícil atrair novos clientes para utilizarem os serviços das tradings capixabas ou se instalarem no Espírito Santo”, enfatiza Machado.
A desvalorização da moeda chinesa frente ao dólar aumenta a preocupação. “Grande compradora de commodities, como o minério de ferro, a China tem se firmado como importante parceiro comercial do Brasil. Mas o problema é que essa economia asiática está perdendo fôlego, e isso deverá ter um impacto no comércio exterior brasileiro e do Espírito Santo. O saldo registrado pela balança comercial brasileira nos primeiros sete meses, de cerca de US$ 4,6 bilhões em 2015, se deve mais a um recuo das importações do que ao aumento das exportações. A desvalorização, até agora, de 3% do yuan não deve ser um motivo de preocupação. O grande problema atual é a recessão no mercado interno brasileiro, que é o grande inibidor de compra de produtos de outros países, independentemente do câmbio”, garante o presidente do Sindiex.
Além da grande instabilidade política e econômica, o comércio global deverá apresentar fraco crescimento este ano, em torno de 2,5%, bem inferior à estimativa de 3,3%, feita em abril, pela Organização Mundial do Comércio (OMC). A América Latina, e por consequência o Brasil, está sentindo o desaquecimento da China e a queda do preço das commodities no mercado internacional. “Portanto, não se esperam grandes mudanças nocenário de comércio exterior. A minha grande esperança é que o Brasil ou o Mercosul avancem com acordos bilaterais, seja com UE (União Europeia) ou seja com Estados Unidos, de modo que possamos incrementar as exportações de produtos com maior valor agregado”, afirma Marcilio Machado.
O presidente da Federação das Indústrias do Espírito Santo (Findes), Marcos Guerra, destaca que, apesar de os resultados locais positivos do setor produtivo se mostrarem na contramão da realidade nacional, a alta excessiva do dólar é preocupante para todos os segmentos. A indústria de transformação, que mais emprega mão de obra, depende muito de matéria-prima importada.
No ramo do vestuário, por exemplo, esse percentual é de 45% de materiais e maquinários comprados no exterior, e no de móveis de encomenda, os acessórios são todos importados, o que eleva muito o custo. Além disso, o Brasil possuía a vantagem da qualidade dos produtos. No entanto, a China vem avançando no sentido de melhorar esse quesito, como fizeram o Japão e a Coreia do Sul no século passado, o que aumenta o risco da perda de clientes tanto no Espírito Santo quanto em outros estados. “O momento é de muita cautela, de atenção às oportunidades e de não arriscar. Em 2015 e 2016, vai ganhar mais quem perder menos”, destaca Guerra.
ROCHAS
No setor capixaba de rochas ornamentais, responsável atualmente por 97% das exportações de chapas do Brasil para o exterior, os blocos de mármore e granito estão cedendo espaço às chapas, materiais que custam até cinco vezes mais. Trata-se de um novo modelo de negócios, segundo a superintendente do Centrorochas, Olívia Tirello, pautado na aquisição de máquinas e equipamentos, o que melhora o processo de beneficiamento nos parques industriais capixabas. A executiva destaca que o segmento, depois do impacto com a crise nos Estados Unidos (principal importador), diversificou mercados compradores e ampliou o portfólio, conseguindo intensificar as vendas.
Ela reitera a afirmação do presidente do Sindiex de que, apesar dos números positivos, assim como ocorre com outras áreas ligadas ao comércio exterior, a falta de infraestrutura logística, principalmente em relação ao modal portuário, tem levado muitas empresas a efetuarem as exportações por outros terminais marítimos brasileiros, aumentando os custos e o transit time (tempo) das operações. “O setor capixaba tem capacidade de melhorar ainda mais as exportações. Pena que não depende apenas do empresariado, que vem investindo em tecnologia, mão de obra qualificada e processos”, explicou.
A valorização do dólar comercial reflete ainda na cotação nas casas de câmbio, que vendem a moeda na modalidade turismo em preço sempre maior que o divulgado na versão comercial, o que reduziu a procura por viagens internacionais em agências da Grande Vitória.
“A alta do dólar impactou nas viagens internacionais e nos programas de intercâmbio, sem dúvidas. Houve redução, deslocamento para novos destinos e mudança de perfis de viagem. As moedas canadense e australiana, por exemplo, não valorizaram tanto em relação ao real quanto o dólar norte-americano, a libra e o euro, por isso esses países têm sido opções interessantes. Há ainda inúmeras promoções de passagens aéreas, muitas vezes com a metade do preço normal de outros anos. E aumentou a procura pelos pacotes all inclusive, que permite uma melhor programação da viagem, com a garantia de que não será preciso gastar mais nada, ou muito pouco”, explica Sérvulo Clermont, diretor da DNA Turismo/STB.
Outro ponto preocupante dessa volatilidade do dinheiro dos EUA é a possibilidade de muitas demissões ocorrerem em empresas cujo endividamento ou a cadeia de fornecimento tem como base o dólar, o que já se especula no mercado, por exemplo, em relação às unidades da Petrobras no Estado.
Na avaliação do Sindicato dos Petroleiros do Espírito Santo (Sindipetro-ES), o câmbio e a queda do preço do barril afetam o potencial da estatal, mas não justificam o volume de demissões. “Boa parte do endividamento da companhia começará a ser paga somente em 2020, quando o pré-sal já estará em funcionamento. A empresa está tomando decisões em curto prazo, ignorando a geopolítica do petróleo, que, diferente de outras atividades, deve se basear em decisões e impactos em médio e longo prazos”, afirmou Davidson Lomba, diretor do Sindipetro-ES e da Frente Única dos Petroleiros.
“Suspender os investimentos em exploração e concentrar apenas na produção é um equívoco, pois irá minimizar os gastos agora, mas gerar prejuízos em médio e longo prazos. A companhia está sendo oportunista em relação às crises politica nacional e internacional do petróleo”, afirmou. Os petroleiros articulam uma greve para outubro ou novembro.
Algumas soluções para minimizar os impactos da crise no Estado vêm sendo articuladas pelo Banco de Desenvolvimento do Estado (Bandes). Segundo o presidente da instituição, Luiz Paulo Vellozo Lucas, no segmento exportador, o desafio está em agregar o maior valor possível aos nossos produtos e em “nossa capacidade de promover comercialmente de forma profissional no mercado externo”. Para isso, está sendo realizada uma série de ações em outros países que inclui até mesmo montagem de escritórios, utilizando o know-how das tradings que atuavam no Fundo de Desenvolvimento das Atividades Portuárias (Fundap).
CENÁRIO NACIONAL
Em 2015, até primeira semana de setembro, o dólar havia já acumulado alta de 41,41%, acentuando a preocupação com o comprometimento do Governo quanto ao ajuste fiscal e com a perda do selo de bom pagador do Brasil, o que ocorreu no dia 9. Em meio à crise política e econômica, o país teve sua nota de crédito rebaixada pela agência Standard & Poor’s (S&P), de BBBpara BB+, e entrou na categoria especulativa. A entidade ainda sinalizou o risco de um novo rebaixamento.
E, no dia seguinte (10), a moeda norte-americana operou em ascensão, a cotação chegou a superar os R$ 3,90, enquanto nas casas de câmbio o dólar turismo ultrapassou a barreira dos R$ 4,30. Mas o anúncio do Banco Central (BC) de dois leilões de linha (venda da divisa norte-americana com compromisso de recompra nos meses seguintes) de compra e venda conjugadas, com oferta de US$ 1,5 bilhão, ajudou a conter a disparada.
A desorganização política teve um peso muito grande para que o rebaixamento da nota ocorresse e, neste momento, é difícil avaliar o percentual que poderá se atingir de alta, enfatiza Jason Vieira, economista-chefe da Infinity Asset Management. “Hoje não temos mais muito parâmetro. Além do cenário macroeconômico muito ruim, há a realidade internacional, que não demonstra indícios de alívio, considerando a elevação da taxa de juros nos Estados Unidos, o que levará a uma fuga de dólares e, consequentemente, a uma maior pressão para o valor da cotação”, explica.
Para ele, há dois fatos preocupantes: a tendência de que a subida se mantenha; e a possibilidade de que as outras duas agências de avaliação de risco – Moody’s e Fitch – sigam a avaliação da S&P, o que levaria a uma “revoada de dólares para fora do país”, uma vez que os fundos soberanos (compra de títulos entre países) não podem fazer parte de um cenário com duas análises desfavoráveis.
O Brasil é a oitava economia do mundo e responde somente por 1,5% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial, ressalta Vieira. “Nós nos obrigamos a um contexto recente de formar parcerias com base em questões ideológicas e não comerciais. Isso levou a uma infeliz limitação quanto à abertura de mercado. Hoje temos a China como grande aliada, mas não sabemos até onde ela poderá se voltar ao seu mercado interno, o que seria desastroso ao Brasil.
No período pós-real, quando vivenciamos um choque de ofertas, muito desse impacto foi reduzido com a queda de tarifa de importação”, observou. “A única coisa que podemos afirmar sem equívoco é que não haverá crescimento algum da economia este ano e nem em 2016”, observou. Luiz Paulo Vellozo Lucas, do Bandes, reitera a crítica de Vieira quanto à limitação com o mercado externo. “O Brasil tem uma taxa de abertura de 20%, é muito pequena. Esse percentual na China é de 42% e nos EUA, de 50%. E a taxa de abertura de um país determina o fluxo de desenvolvimento”, defende.
Luiz Marcatti, sócio-diretor da Mesa Corporate, enfatiza que o momento atual de disparada do dólar se aproxima do ocorrido em 1999, quando o mercado estava testando o modelo da política monetária. “A diferença é que, naquela ocasião, o Governo teve força para agir, mudar o modelo para o tripé juros/inflação/superávit fiscal, liberando o dólar para flutuar, até que se reposicionasse. Hoje o momento político é de perda de credibilidade, que o deixa de mãos atadas por um lado, e de desalinhamento entre os principais agentes do Governo, que não passam segurança ao mercado”, destaca.
Quanto à morosidade de medidas fundamentais para conter a volatilidade da moeda, o economista ressalta que o Banco Central não é um órgão com grau de independência do Governo, daí a impossibilidade de agir quando e como quer. “Depende da autorização do ministro da Fazenda e este da presidente da República, que se mostra titubeante nas decisões e rápida ao mudar de opinião”, disse.
Segundo ele, a avaliação da S&P tende a ser seguida pelas outras agências de rating. “A partir de agora veremos muito dinheiro ir embora, devido à obrigatoriedade que alguns investidores têm em somente investir em papéis com investiment grade”. Para ele, o que se pode esperar diante dessa perda no grau de investimento é o “mesmo que qualquer indivíduo ou empresa que necessita de recursos enfrenta ao constatar informações ruins em seu cadastro: crédito reduzido e caro”.
Quanto às expectativas, Marcatti reitera a avaliação dos demais especialistas. “Pela situação instalada, pela insegurança e paralisia do Executivo, 2015 dificilmente apresentará algo de positivo, assim como o início do próximo ano”, avaliou. O mercado defende que o dólar só voltará a cair, quando houver uma direção mais clara dos rumos do ajuste fiscal para equilibrar as contas da administração federal, que possui muitas dificuldades em aprovar medidas no Congresso. Além disso, o fortalecimento da economia dos EUA e a crise política e financeira da Europa são problemas externos que vêm pressionando o câmbio e desvalorizando a moeda nacional, reafirma o economista Paulo Henrique Corrêa, da Valor Investimentos. “Os americanos pretendem subir a taxa de juros, o que deverá afastar os investidores do Brasil, uma vez que essa elevação pode fazer o dinheiro render mais por lá do que aqui”, afirma Corrêa. O especialista explica que já havia necessidade de ajuste de câmbio e que o problema efetivamente está na volatilidade acelerada.
Fonte: Revista ES Brasil - Setembro/2015